2025-10-02

RPG a la Carte

A contra-cultura do RPG

Feito por Leonardo AI

Qual D&D? A Sacada e o Dilema de Vários Jogos em um só Nome

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Para você, GM ou jogador, que tanto é comum a pergunta “qual edição?” quando diz que joga D&D? Por que tanta confusão? Quando fala que joga RPG, perguntam se é aquele do Stranger Things mesmo sendo algo totalmente diferente como Vampiro, a Máscara ou Fate?

É inegável o valor que Dungeons & Dragons (D&D) tem hoje em dia. Desde seu lançamento em 1974, cada edição refletiu seu tempo e público sendo rara muitos basicamente a única resposta para o termo RPG. Por que será que há tantos conflitos entre jogadores antigos e novos? Por que tantos reclamam como ele deixou de ser e sobre as mudanças que tem se proposto a trazer nas edições? Esse artigo analisa a evolução de D&D. Ele explora a “sacada” de unir distintas edições além de também examinar o consequente “dilema” de manter uma identidade clara.

As Origens: A Edição “0” e a Fundamentação do RPG

Desde seu lançamento em 1974, cada edição de D&D reflete seu tempo e público, mas também enfrenta o desafio de manter a essência que o jogo estabeleceu em seus primeiros anos. A edição “zero” de D&D, lançada em 1974 por Gary Gygax e Dave Arneson, foi inicialmente publicada pela TSR e inspirada em jogos de miniaturas de guerra, como Chainmail e Outdoor Survival. Gygax e Arneson uniram o conceito tático desses jogos e de outros wargames com a exploração e a resolução de problemas em cenários fantásticos. Essa primeira edição focava principalmente na “imersão no desconhecido” e apresentava um sistema de regras minimalista dependente das regras desses jogos. A descrição das características narrativas visava somente dar um plano de fundo para os elementos. O foco era o jogo, as rolagens e os números como um jogo de tabuleiro.

Jogadores tinham grande liberdade para improvisar, e o Game Master (ou Mestre) atuava quase como um árbitro. Esse sistema primitivo de regras incentivava a criatividade e a experimentação, mas também apresentava pouca consistência em termos de balanceamento ou estrutura, o que limitava seu apelo fora de círculos entusiastas. A evolução do sistema para Advanced Dungeons & Dragons (AD&D) em 1977 marca a introdução de regras mais detalhadas, divididas em Player’s Handbook, Dungeon Master’s Guide, e Monster Manual (Gygax, 1979). Esses livros, hoje considerados clássicos, oferecem um sistema que, trouxe solidez, coesão e organização ao jogo.

A Consolidação de Mecânicas: AD&D e o Expansivo Universo de D&D

A 2ª edição de AD&D, publicada em 1989, manteve muito do núcleo do sistema anterior, mas eliminou certos elementos para ampliar a acessibilidade e o apelo familiar. A 2ª edição é um reflexo dos valores da época, com menos ênfase em conteúdos considerados “controversos”. A TSR teve uma maior preocupação em consolidar o universo do jogo com publicações de livros extras como os que definiam os cenários Forgotten Realms, Dragonlance, e Dark Sun.

A narrativa se torna central nessa edição, com um foco ampliado em world-building e a introdução de suplementos que detalham culturas, geografias e até mesmo cosmologias únicas para cada mundo. Os cenários de campanha abriram o jogo para uma variedade de interpretações, permitindo que Mestres de Jogo moldassem o tom e o estilo de suas campanhas conforme o gosto de seus jogadores. Esse foco em campanhas e construção de mundo também trouxe problemas, pois a complexidade narrativa reduziu a flexibilidade para adaptações rápidas e improvisações, um contraste com as edições anteriores. Ele permitiu também com que o foco deixasse de ser simplesmente as cenas ou dungeons passando para a ideia de campanha, com histórias maiores, mais elaboradas e com a possibilidade de que tomadas de decisão e influência no fluxo da contação de história passasse a fazer parte além do aspecto “jogo” de combater monstros e ganhar os espólios.

O Experimentalismo da 3ª Edição e o Dilema da Identidade

A transição para a 3ª edição de D&D em 2000, sob a nova direção da Wizards of the Coast, representou uma virada significativa. A 3ª edição introduziu um sistema unificado baseado no d20, no qual todas as ações dos jogadores e os testes de habilidades eram baseados em um único dado, o d20. Além disso, permitia maior customização de personagens, com um sistema de classes, raças e talentos que podiam ser combinados de inúmeras formas. Estes novos conceitos influenciaram profundamente o design de jogos de RPG de mesa e até mesmo de videogames da época.

Porém, essa personalização e complexidade geraram uma mudança de paradigma: o jogo tornava-se, muitas vezes, uma busca por “combos” e otimização (na gringa, chamam de min-maxing), desviando-se do aspecto colaborativo para um foco mais individualista e estratégico. O foco da 3ª edição em mecânicas e otimização de personagens atraiu uma base de jogadores interessada na complexidade que cada personagem representava, transformando o RPG em algo com traços de competitividade.

A Quarta Edição e a Influência dos MMORPGs

Lançada em 2008, a 4ª edição de D&D foi uma resposta às tendências de jogos online, especialmente MMORPGs como World of Warcraft. A edição introduziu uma estrutura rigidamente tática para as batalhas, com um sistema de classes que dava aos jogadores papéis específicos no combate: Tank, DPS, Healer, etc., características comuns em jogos de videogame. A 4ª edição é um produto de sua época, um reflexo da transição da narrativa aberta para um sistema tático rígido.

Apesar de inovadora, a 4ª edição enfrentou resistência de muitos jogadores, que sentiram que ela sacrificava a liberdade narrativa e a imersão em prol de um foco quase exclusivo no combate e na otimização de habilidades. Isso gerou um “dilema de identidade” significativo, no qual a 4ª edição parecia atender a jogadores que preferiam a experiência tática de um MMORPG, mas alienava aqueles que buscavam um RPG narrativo mais aberto.

A 5ª Edição: Uma Síntese ou uma Identidade Própria?

Lançada em 2014, a 5ª edição buscou trazer de volta o equilíbrio entre narrativa e mecânicas, simplificando sistemas complexos enquanto preservava a profundidade de escolhas. Segundo a própria Wizards, o objetivo era criar um jogo que pudesse “capturar a essência de todas as edições anteriores” e que fosse acessível para novos jogadores, sem alienar os veteranos. Assim, a 5ª edição reintroduziu elementos da 1ª e da 2ª edições, como a flexibilidade de interpretação de regras, mantendo ainda a personalização de personagens da 3ª edição, mas com menos foco em otimização.

A 5ª edição se tornou extremamente popular, impulsionada pelo sucesso de plataformas de streaming como Critical Role e Stranger Things, que popularizaram o RPG entre uma nova geração de jogadores. Contudo, essa abordagem de “um jogo para todos” levanta questões sobre o futuro da franquia. A tentativa de criar uma edição “unificadora” de D&D pode despersonalizar a experiência de jogo. Uma crítica comum na comunidade é de que D&D possa por isso carecer de identidade própria distinta

Então, o que é D&D?

Não é possível dizer o que é D&D graças a número de jogos com um certo “espírito” que foram publicados ao longo dos anos sob o mesmo nome. Exploração e simulação tipo wargame, foco em campanha com contação de histórica contínua e que evolui com as tomadas de decisão dos jogadores, foco na individualização e nos “combos”, repetição de tropos de MMORPG e finalmente a proposta do “RPG derradeiro” com a 5a edição, não a toa chamada de The One D&D, tudo são D&D mesmo que com delimitações às vezes completamente diferentes com aspectos comuns. Tentar falar de um D&D é como falar que futebol, vôlei e basquete são o mesmo esporte por usarem uma boa de tamanho parecido.

A trajetória de D&D ilustra uma inovação contínua, marcada por uma necessidade de adaptação às demandas dos jogadores e às tendências culturais. No entanto, a sacada de unir as edições sob uma mesma “marca” revela também o dilema de perder a distinção que cada edição trazia. O papel de D&D em influenciar o hobby como um todo cria expectativas únicas sobre sua evolução e que essa ampliação constante de identidades”pode levar a uma confusão gigante. Em primeiro lugar, há a confusão sobre o que D&D “tem” que ser. Jogadores de outras épocas e jogadores novos entram em conflito sobre suas experiências com o risco de haver a comparação sobre o que é melhor.

Em segundo lugar, devido ao tamanho inegável da franquia, há a ligação imediata de que RPG é D&D mesmo quando todas essas edições, variações (jogos OSR, 13a Era, Ordem Paranormal e uma infinidade de jogos que utilizam as licenças abertas para produção de conteúdos derivados do D&D) e jogos inspirados nelas (dungeon crawls como Dungeon World cujas mecânicas são absolutamente diferentes mas que visam emular a experiência de uma história de exploração de masmorras) tem potencialmente a possibilidade de serem completamente diferentes entre si.

Ao traçar o futuro de D&D, fica a questão de como o jogo continuará a inovar sem sacrificar suas raízes. A comunidade de jogadores se divide entre aqueles que buscam um sistema coeso e aqueles que preferem o retorno das edições “de identidade”. Em última análise, a história de D&D é um estudo sobre adaptação e identidade – e a busca por um equilíbrio que abrace o passado enquanto olha para o futuro.

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