2025-10-27

RPG a la Carte

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Capa Trophy Dark

Feito com Leonardo AI

A Beleza na Ruína — Tesouros, Loucura e Sobrevivência no RPG Trophy

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Olá, pessoal!

Gostaria de falar sobre dois sistemas que gostei muito de conhecer: Trophy Dark e Trophy Gold, ambos criados por Jesse Ross. Meu primeiro contato foi com Trophy Dark, e confesso que fiquei impressionado. Sua abordagem narrativa focada, que deliberadamente se afasta do heroísmo tradicional para mergulhar em temas sombrios, decadentes e na inevitabilidade da ruína, foi um sopro de ar fresco (ou talvez um vento gélido — o que é ainda melhor nesse contexto!). A forma como ele lida com a tensão e a desgraça iminente me pegou tanto que acabei buscando seu “irmão”: Trophy Gold.

Essa jornada pelos sistemas Trophy me fez refletir ainda mais sobre como diferentes RPGs lidam com a falha, o perigo e a mortalidade. Estamos tão acostumados a associar progressão a poder crescente, onde heróis superam desafios com mais e mais recursos. Mas e se a própria jornada fosse o desgaste? Uma espiral descendente, em que cada passo em busca de um tesouro amaldiçoado é também um passo em direção à própria perdição — física e mental? É essa premissa sombria e atraente que os jogos Trophy exploram com maestria. Vamos falar um pouco sobre eles?


Trophy Dark: A Trágica Busca por Tesouros Proibidos

Pense em Trophy Dark como um jogo de horror narrativo focado em sessões curtas (one-shots ou, no máximo, duas sessões). A premissa é direta e arrepiante: um grupo de caçadores de tesouro, movidos pela ganância, desespero ou pura arrogância, resolve explorar uma floresta (ou outro local assombrado) que claramente “não os quer ali”. O objetivo? Encontrar relíquias e riquezas inimagináveis. A realidade? Uma descida quase certa à loucura, corrupção e morte.

O que me atraiu em Trophy Dark foi seu foco narrativo e sua mecânica simples, porém diferenciada. A criação de personagem é rápida: o jogador escolhe uma Ocupação e um Background — sua ocupação antes de se tornar um caçador de tesouros — de listas pré-definidas. Por exemplo, alguém pode ser um Ranger que já foi um Trabalhador Oprimido, um Mercenário com um passado de Escudeiro Abandonado ou ainda um Ladrão que antes era um Nobre Deserdado. A Ocupação fornece três Perícias, como Rastrear, Armadilhas e Arcos; o Background fornece uma única, como Sobrevivência na Selva.

Além disso, o jogador define uma Motivação: o principal objetivo ou razão para enfrentar os perigos da floresta. Pode ser “Conquistar o direito ao nome de sua família”, “Comprar a liberdade do irmão preso em Barsul” ou “Conquistar o coração da herdeira aparente de Naganeh”. O personagem também pode conhecer Rituais, magias perigosas. O jogador pode escolher de 0 a 3 Rituais; para cada um escolhido, o personagem começa o jogo com +1 de Ruína. Alguns exemplos de rituais são: Comunhão com Espíritos (fazer perguntas a entidades locais), Passos Silenciosos (anular o som dos próprios movimentos por um tempo) ou Repelir Horrores Menores (criar uma breve barreira contra certas criaturas).

A Ruína é a estatística central em Trophy Dark. Representa o desgaste físico, mental e espiritual do personagem. Começa em 1 (ou mais, se o jogador se arriscar com Rituais) e aumenta conforme a expedição avança e os horrores se manifestam. Chegar a 6 de Ruína significa que o personagem está perdido — seja pela morte, insanidade ou alguma transformação grotesca.

Se um personagem testemunha uma cena particularmente horrível, como um companheiro sendo arrastado pelas sombras por uma criatura indescritível, o Mestre determina uma Jogada de Ruína. Em caso de falha, a Ruína do personagem sobe 1 ponto e ele ganha uma Condição. As Condições são aflições — físicas, mentais ou espirituais — que marcam o personagem e refletem seu declínio. Elas podem ter implicações narrativas e mecânicas, tornando a jornada ainda mais árdua. Exemplos: “Mão Trêmula”, “Tosse Seca e Persistente”, “Olhar Vazio” ou “Pele Pegajosa e Pálida”. Cada nova Condição é mais um passo em direção ao abismo.

Aqui não há “subir de nível”, apenas deterioração progressiva. É uma mecânica que introduz complicações crescentes e internaliza a decadência no próprio cerne do personagem.

Para ações perigosas — como lutar com criaturas comuns e animais (não monstros) — os jogadores fazem uma Jogada de Risco, central em ambos os jogos Trophy. O jogador descreve o que tenta fazer e junta dados de seis faces. Ele recebe Dados Claros por perícias relevantes ou ao aceitar uma Pechincha com o Diabo (uma complicação narrativa proposta pelo mestre ou outros jogadores). Pode adicionar um Dado Escuro se estiver se esforçando além dos limites. O resultado mais alto define o desfecho: 1–3 é falha; 4–5 é sucesso parcial; 6 é sucesso completo. Se o dado mais alto for um Dado Escuro e superar o valor atual da Ruína, ela aumenta — mais um passo na espiral de decadência.

Em Trophy Dark, esquecer o combate direto é questão de sobrevivência: monstros significam morte certa. A sobrevivência vem da astúcia, furtividade ou fuga — reforçando o pavor e a impotência dos caçadores de tesouro diante do desconhecido.

Cada sessão se desenrola como uma única Incursão. Cada Incursão é um cenário completo estruturado em cinco Arcos, que ditam o contexto, os perigos e os cobiçados (e amaldiçoados) tesouros. É um sistema que brilha ao criar suspense e decadência, onde a colaboração entre jogadores é essencial. Não se trata de “vencer” a floresta, mas de ver até onde os personagens conseguem ir antes de ceder à ruína.


Trophy Gold: A Fragilidade Persistente em Campanhas Sombrias

Se Trophy Dark é o horror condensado de uma noite, Trophy Gold expande essa filosofia para campanhas longas — sem reduzir a letalidade ou o senso de perigo. O jogo aprofunda a obsessão dos personagens pela riqueza.

Aqui, os aventureiros são mais competentes e resilientes, capazes de enfrentar monstros e desafios de forma mais direta. O ouro coletado é vital: ele não é apenas troféu, mas recurso de sobrevivência, usado para recuperação, para lidar com consequências ou perseguir Motivações pessoais.

Os personagens usam o ouro para cobrir seus Fardos — dívidas ou obrigações que, se ignoradas, podem decretar seu fim. Ele também financia cuidados médicos, reparo de equipamento e até caminhos para alcançar objetivos pessoais. Em Trophy Gold, não se busca apenas poder, mas tempo de vida.

O combate é rápido, brutal e coletivo. Os monstros têm um valor de Resistência, e os aventureiros fazem uma Rolagem de Combate em grupo. Cada um lança dados, e a soma dos dois maiores ataques é comparada à Resistência do inimigo. Superando-a, o monstro é derrotado — mas cada personagem sofre Ruína ou dano à armadura por dados que coincidirem com seu Ponto Fraco.

Assim como em Trophy Dark, o mundo mesmo é um personagem: reage e pune.


Por Que se Aventurar em Trophy?

A beleza de Trophy está na coerência entre mecânica e atmosfera.

  • Narrativas com consequências reais: A morte não é decorativa; os riscos são genuínos.
  • Foco na história e atmosfera: Trophy é uma lição de minimalismo tenso e horror bem dosado.
  • Exploração de temas maduros: Ganância, obsessão, desespero e o peso de continuar.
  • Para fãs de horror e fantasia sombria: Anti-heróis em ruína, caminhando rumo ao inevitável.
  • Desafio à mentalidade de “vencer”: Em Trophy, a vitória é sobreviver mais um dia.

Se Trophy Dark brilha em partidas curtas e impactantes, Trophy Gold amplia o mesmo terror para campanhas de sobrevivência prolongada. Ambos sabem o que oferecem — e o fazem com precisão.

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